terça-feira, 29 de julho de 2014

Um viva aos tios e tias: uma homenagem a uma querida que se foi

Hoje faleceu a tia mais querida que eu poderia ter. Eu não vou compartilhar meus lamentos e minha profunda tristeza com vocês, pois eu quero manter aqui o clima de alegria e espontaneidade que sempre esteve presente na vida de minha amada tia Rose.

Aos 18 anos, ela, nascida em SP, decidiu deixar família e as poucas coisas que tinha de lado e se mandou sozinha para a Bahia, pegando carona. Foi curtir a vida, se jogou no mundo, errou muito, acertou em cheio na felicidade a cada gole de cerveja, a cada trago de cigarro, a cada passo transviado, a cada noitada à beira da praia. Foi paixão a primeira vista quando chegou a Salvador. Se fez baiana no viver e de lá não saiu mais, apenas para visitas que se esticavam por mais ou menos tempo quando vinha ao sudeste resgatar o contato familiar. Por conta disso, garanti inúmeras, incontáveis boas lembranças com essa pessoa que alguém comum diria que era meio maluca.

Na infância, apesar de pouco presente, lembro de visitas acaloradas e com uma risada alta, contagiante, que não cabia na casa. Nenhuma repreensão, nenhuma voz de comando, nenhuma bronca. Com a tia Rose eram só risadas, brincadeiras, imaginação levada a sério, alegria, alegria. Passei algumas das melhores férias que tive na infância e adolescência na casa dela em Salvador, e pude ver, conforme fui crescendo, que a vida divertida e sempre tão risonha dela também tinha seus dias de cão, suas dificuldades e confusões. A grana era curta, a saúde foi se debilitando, mas a alegria contagiante sempre esteve lá, impassível. Dela, recebia as declarações de amor mais gostosas que já recebi de um parente. Ela me via, abria bem os braços e falava bem alto: "meu sobrinho lindo, como eu te amo!", e em seguida me enchia de cheiros e beijos. Foi a pessoa com quem mais troquei cartas até hoje, e talvez ela nem saiba o quanto isso me ajudou a pegar gosto pela escrita, por contar histórias com caneta e papel nas mãos, já que desde criança eu sempre adorei responder as cartas deliciosas que ela escrevia, os cartões-postais mostrando a Bahia que ela tanto amou, falando sobre os lugares que ela "tinha que nos mostrar". Que legal foi ter você presente, tia!


Tia Cacá e as crianças
Tenho a enorme felicidade em ver que meus filhos tem essa figura presente, brincalhona, disposta e muito carinhosa em minha irmã. A Camila é uma tia de mão cheia, de amor incondicional, de brincadeiras sem fim, de uma conexão com as crianças que não se pode ensinar. Elas simplesmente se amam e se dão muito bem. Sem contar que o Tito viveu algumas semanas na presença tão gostosa de Rose, que ele adorou a partir do primeiro dia e passou a grudar nela, tal como eu, minha irmã e meus primos fazíamos quando pequenos com a nossa tia.

Foi muito gostoso tê-la como referência de uma pessoa "fora do padrão", pois ela me mostrava um lado positivo de ver as coisas que é difícil encontrar em alguém. E, quando há amor envolvido, é melhor ainda. Ela foi a primeira pessoa adulta que me lembro de ter tido conversas sérias a respeito da vida, sempre ouvidas com atenção, respeito, olhos curiosos e finalizadas com um abraço quente e demorado. Tito aproveitou pouco, mas muito bem a passagem curta dessa pessoa especial em sua vida, e tem pela frente, junto com a Maya, Maitê e o novo bebê que está para chegar, dias de bastante felicidade ao lado da tia Camila, ou Tia Cacá, como ela prefere.

Que toda criança, adolescente e adulto tenha a possibilidade de ter uma pessoa assim em suas vidas.

Apesar da tristeza enorme em perder uma figura tão querida para um câncer terminal, o que fica mais presente em mim hoje são lágrimas de gratidão pelas coisas que vi, vivi e aprendi com minha tia. É óbvio que estou triste, mas a alegria dela fala mais alto na hora de escrever essa pequena e sincera homenagem.


Obrigado por tudo, tia. Descanse em paz.

terça-feira, 22 de julho de 2014

O que aprendi com um divórcio a respeito da minha relação com meus filhos

Às vezes, a gente só dá valor a alguma coisa depois de perdê-la. Sim, eu estou de volta trazendo um enorme clichê aqui pra vocês. Explico: há mais ou menos um ano me divorciei e, obviamente, passei por um longo processo de estranhamento da nova rotina sem a convivência diária com quem andei lado a lado durante sete anos, mas, num nível infinitamente maior e mais intenso, sofri e chorei por não mais dormir e acordar ao lado dos meus filhos, não estar mais em contato tão próximo deles, não sentir seus cheiros e ouvir suas frases desconexas ao perambularem pela casa, não poder pegar no colo e por no sling para acalantar com tanta frequência quando se machucam... Eu ainda faço tudo isso, mas a falta da convivência intensa e diária é bem pesada.

Um dos saldos disso tudo foi: nunca chorei tanto.  Nunca havia sentido essa dor que eu nem tenho pretensão de conseguir descrever. E foi bom chorar tanto assim, transbordar, me entregar a um fluxo que meu corpo ou minha mente estavam negando há tanto tempo. Contudo, passados os meses iniciais e mais difíceis, quando só de dar "oi" e "tchau" ao Tito e a Maya eu já chorava de soluçar, veio uma dor diferente, uma nostalgia um tanto quanto indigesta e que me levou a uma tomada de decisão: ou eu encarava isso como aprendizado, respeitando o que meu corpo estava a me dizer; ou eu ignorava isso e responsabilizava o infortúnio do destino por estar longe das crianças, não assumindo a minha responsabilidade ao optar pela separação. Eu escolhi a primeira opção e foquei na dor que diariamente martelava dentro do peito: reconhecer que deixei preciosos momentos com meus filhos passar porque em alguns momentos da nossa jornada eu fui impaciente com eles, que nem sempre dava a devida atenção a nossa relação ou estava disposto a me conectar em níveis mais profundos com as crianças.

Lembrei das vezes em que gritei, chantageei, ignorei, ameacei, bufei, fiquei de saco cheio por ter que novamente acordar às cinco da manhã pra ficar com o bebê que não quer dormir. Há uma expressão em inglês que reflete melhor que em nossa língua, em minha opinião, o sentimento que me bateu nessa fase de introspecção: I was taking it from granted. E é realmente isso: a gente dá mesmo alguns vacilos por saber que a criança vai estar lá amanhã, e depois, e depois, mas, se não tomar cuidado, passa a achar tudo um saco e a querer terceirizar coisas para ter um pouco mais de tempo livre para si. Se dedicar às crianças com qualidade e viver nesse sistema capitalista opressor e competitivo é desgastante. Sei que muitas mães e pais passam por isso. É normal e até compreensível, dado o nosso histórico social de como se desenrolam as interações entre crianças e adultos em nossa vida moderna, cuja pedra secular é o "eu mando, você obedece".

No entanto, vale a ressalva de que nem tudo é estanque e absoluto, e mudanças podem ser feitas e são sempre bem-vindas. Nunca a interação com meus filhos foi na base da negligência, do dessabor, da falta de paciência, da voz de comando. Mas era, em boa parte do tempo, uma relação baseada no "apesar de". Apesar de ser um bom pai, eu às vezes gritava e era impaciente. Apesar de estar sempre fisicamente presente e brincando, nem sempre eu me deixava conectar real e profundamente com as crianças. Apesar de acordar cedo e acalantar todos os dias no sling, normalmente eu reclamava de ter o meu sono interrompido e até privado. Lhe soa familiar?

O término do meu casamento foi fundamental para que eu engolisse a seco essas verdades que eu mesmo escolhi me dizer. E, tão importante quanto, percebesse outra verdade fundamental: não existe perfeição na relação com as pessoas, talvez em especial com as crianças. Ou, que a perfeição passe pela simplicidade de ser o mais sincero possível consigo e com a criança, por mais que isso traga à tona algo que não gostaríamos de admitir ou vivenciar. Quando o processo é consciente e você assume a responsabilidade pelos teus atos e pela tua realidade, até os deslizes eventuais e os momentos confusos passam a ser mais leves.

Há de se respeitar o quão mágico é ter uma criança por perto e sair do piloto-automático para que essa leveza chegue. Para isso, acredito que seja melhor confiar numa conexão profunda com a criança e abandonar certas crenças e neuras. Abrir mão do orgulho e da neura pela disciplina quando o filho, imponente e impassível, continua a fazer algo que você não quer, por exemplo. É claro que há várias situações em que não é possível deixar a criança fazer o que bem entende, mas, antes de tomar uma decisão passional que normalmente tenderá para o tolhimento da criança, reflita seriamente sobre essas perguntas: você realmente precisa dizer tantos "nãos" a ela? A disciplina realmente precisa ser uma esquete militar em que o adulto constantemente tem que dar lições de moral e bons costumes à criança, caso contrário ela nunca vai se controlar ou respeitar o seu entorno? Disciplina é realmente mais importante que respeito? E o respeito, é conquistado apenas pela intimidação e pelo medo?

Acredite nisso: crianças não querem nos manipular. Se confiarmos na pureza delas e na franqueza de nossa relação, a tendência é que tudo se ajeite naturalmente, sem traumas para nenhum dos lados, e a convivência passe a ser mais prazerosa. Quando a gente quebra esses estigmas de que "criança precisa disso, criança precisa daquilo, e o adulto é quem tem de ensinar e prover", a gente sai do piloto-automático. Tira-se o cabresto e nossa visão fica mais sensível ao que a criança realmente quer dizer e transmitir, em suas diversas linguagens. Conversas francas, respeitosas e com olhos nos olhos são melhores e mais frutíferas que levar consigo sempre o peso de que é o adulto o responsável por tudo que a criança aprende e absorve. A criança é curiosa, espontânea, inteligente, ativa, intuitiva e absorve sozinha muito mais do que conseguimos reconhecer. Queremos o mérito pra gente, não confiamos na capacidade e na potência da criança.

Quando olhei para tudo isso que gritou dentro de mim, senti um profundo pesar por ter deixado escapar tantos momentos preciosos com o Tito e a Maya quando a gente morava junto. Na maior parte do tempo, a relação era super rica e prazerosa, leve, fluida. Mas eu sou o primeiro a reconhecer que já investi energia demais tentando impor coisas às crianças, e naturalmente me irritando com isso. Ou apenas de saco cheio por estar cansado e não poder voltar a deitar para dormir mais um pouco.

Dar esses passos foi essencial para que eu me entregasse ao momento, em qualquer situação que se apresente, quando estou com as crianças. A interação é muito mais calma e natural, as conversas são mais respeitosas e a gente passa a se entender muito melhor sem a necessidade de palavras. Precisamos voltar a desenvolver a nossa intuição, pois a criança é altamente perceptiva e sensível. Como exemplo, nos meses que se seguiram o divórcio, Tito, que hoje tem quase cinco anos, passou a se distanciar de mim e a ficar muito arredio com minhas tentativas de acalmá-lo quando ele se irritava com algo. Eu era a última opção para ele pedir colo e apoio. Num dia em que ele estava dormindo em casa eu o levei para tomar banho e ele, impaciente, começou a chorar, me empurrar, me chutar. Eu chorei, me agachei no chão e perguntei o que aconteceu entre a gente para que a nossa relação ficasse assim... "Eu fiz alguma coisa, filho? Lembra das inúmeras coisas que a gente já fez junto, das brincadeiras, das sonecas juntos, dos passeios, dos abraços e beijos que você sempre me dava? O papai fez alguma coisa, filho? Pode me falar porque eu quero corrigir, se fiz algo de errado". E a resposta dele foi cair num choro muito sentido e simplesmente dizer "Eu não sei... eu esqueci...". Nos abraçamos e eu pedi desculpas pelo que ele não lembra que eu fiz. Tomamos banho juntos, conversamos com respeito e atenção. No mesmo dia ele fez uma escolha que há muitas semanas não fazia: "hoje eu vou dormir com você".

O desfeche dessa noite certamente seria outro se eu continuasse achando um saco o fato de ter uma criança irritada e "fora do controle" ali, enquanto eu estou cansado depois de mais um dia de trabalho.

Fica mais fácil quando a gente respeita genuinamente a criança e se entrega à relação, sem neuras, sem pretensão de ensinar e controlar tudo. Prometo.


terça-feira, 6 de setembro de 2011

o medo da desescolarização


Faço parte de uma lista de pais que se preocupam com "boas práticas" de paternagem e com uma relação mais amistosa entre pais, filhos, família, humanização, parto, etc.
Ao levantar uma saudável discussão a respeito do tema "Desescolarização" e de ser acusado de irresponsável, leviano e pouco solidário, respondi com o email que reproduzo abaixo, em forma de desabafo e esclarecimento.
Tomei a liberdade de trocar os nomes envolvidos por XXXXX e YYYYY.
____________________________
oi, pessoal.
eu saí um pouco da discussão pra ver a reação dos demais, pra ser mais ouvinte.
não "mordi" de propósito algumas iscas lançadas pelo XXXXX e pelo YYYYY, mas vamos a elas agora.

XXXXX, se eu colocasse meu filho em alguma escola particular (como muitos aqui da lista), eu seria tachado de "pouco solidário, quase irresponsável"? Eu acredito que não, apesar de a matrícula de um filho numa escola, e a escolha da escola em si ser uma decisão particular e quase sempre nada solidária... (só o fato de escolher uma escola particular, matricular o filho e esquecer o "resto" já é super pouco solidário, mas eu certamente não seria tachado disso se assim o fizesse, não é mesmo?)

Você chegou a comentar que a desescolarização faz sentido para aqueles que são "herdeiros de bibliotecas", "filhos de gente culta".
Mas, por que essa crença?
Eu vou tomar a liberdade de responder o que eu acho: é o problema do pensamento escolarizado. A noção errônea de que a relação "ensino-aprendizado" é algo totalmente linear nos levou a crer que a criança inserida num contexto culto e letrado será também culta e letrada, e, o pior, que só essa criança é que vai conseguir ser culta, inteligente e letrada, a não ser que ela, no caso de ser pobre e desfavorecida, estude muito e batalhe por conta própria a dura escalada social.

Esse pensamento é um dos mais danosos à sociedade, à coletividade, pois ele afirma um preconceito de que só os filhos de pais abastados conseguiriam absorver cultura e desenvolver inteligência fora do ambiente escolar.
Só para citar um exemplo, todos sabemos a história do Machado de Assis, um negro pobre, porém, autodidata que se tornou o maior escritor do Brasil.
Sim, ele pode ser considerado uma exceção, da mesma forma que o Chico Buarque também o é, pois quantos e quantos filhos de burgueses como o Chico nós vemos por aí, mas que, ao contrário dele,  não são as melhores representações de um ser culto e inteligente? Abastamento não pode ser relacionado tão diretamente assim à aprendizado e à cultura.

No mesmo email, foi citado que não somos a Espanha, Portugal, ou a Dinamarca.
É mais um exemplo do nosso preconceito e da nossa mentalidade escolarizada de que, para começar a agir de maneira mais independente, revolucionária, orgânica e guiada pelo e para o potencial só serve para os abastados... Por que um país em desenvolvimento ou até um país subdesenvolvido não pode falar em desescolarização? Por que não podemos nos livrar das amarras rançosas das instituições ultrapassadas e passar a definir um futuro que se aplique melhor ao nosso paradigma, à nossa realidade?

Desescolarização é aprendizado
natural em ação!
A gente acredita que o aprendizado é algo linear e que depende de um esforço externo para que ele exista, mas isso não é verdade.
Se déssemos vazão aos inúmeros talentos e aptidões que as crianças mostram desde cedo, nada precisaria ser ditado por currículos, por "mestres", por instituições. A criança, se incentivada e apoiada, consegue traçar seu caminho em busca da exploração do seu potencial. No entanto, o pensamento escolarizado e rígido faz justamente o oposto: a afasta mais e mais das suas reais aptidões, para que se concentrem, durante horas do seu dia, em coisas que todos os demais também estão vendo, só porque isso foi designado pelo "mercado". E assim começamos a matar a sua individualidade em prol do "coletivo". Só que esquecemos que esse coletivo foi definido lá atrás pelos grandes patrões, que impuseram suas vontades na grade curricular escolar e acharam que seria muito melhor a criança aprender a fazer contas do que aprender a dançar (só pra dar um exemplo), e a gente continua repetindo isso até hoje.

Não é essa coletividade que eu quero.

O YYYYY comentou também algumas coisas e eu vou ser mais objetivo pra não me estender muito:
Foi dito que é "impossível aprender sozinho". Essa afirmação é novamente ditada por conta dos nossos limites e restrições relacionados à mentalidade muito escolarizada. Dizer que é impossível aprender sozinho quer dizer que nunca ninguém será capaz de chegar a uma conclusão sozinho! Que nunca nenhuma criança, por exemplo, vai aprender a escrever uma língua, uma palavra ou uma letra sequer sozinha, só por observação ou pela simples inserção social. Que a música e outras formas de artes não podem ser coisas inatas.
Soa absurdo, não?
E é.

Dentre várias coisas ditas, acho válido desmistificar algumas: 
  • O unschooling não é contra ao ensino às crianças! Ele é contra ao ensino pré-determinado sem o seu consentimento e sem a sua demanda, como, por exemplo, um currículo escolar, em que a criança simplesmente é obrigada a aprender tal disciplina, mesmo que ela não esteja pronta ou curiosa o suficiente para ver aquilo naquele determinado momento; 
  • Ao praticar o unschooling, os pais ou tutores não vão precisar "dar aulas" para as crianças. Isso seria substituir a escola e levar o pensamento escolarizado para dentro de casa. Seria homeschooling, ou seja, competir com a escola (coisa que eu não quero). Na desescolarização você não precisa de regras ou pré-definições do que ensinar, do que a criança vai aprender. Todos juntos, tutores e crianças, vão descobrindo o caminho e dando alimento à sua curiosidade de acordo com o desenvolvimento dela, da criança. 
  • Não sou contra os professores. A figura do professor é super importante, mas a comparação feita com os mestres de milhares de anos atrás com os professores da atualidade é indevida, pois antigamente um jovem passava um largo período acompanhando seu mestre para aprender um afazer, uma especialidade, mas normalmente isso era feito por escolha do aprendiz. Não havia um "currículo medieval" que obrigava todo jovem a aprender alquimia, jardinagem, metalurgia. Cada um tinha a liberdade de escolher qual ofício seguir, qual especialidade aprender. Essa é a grande diferença entre os mestres de antes e os de agora. 
  • Universidade: o item anterior leva a um ponto importante, que é o ambiente acadêmico. Apesar de ser contra a escola nas primeiras idades, quem é a favor do unschooling é super a favor da universidade, pois, como no exemplo de um mestre alquimista, o adulto escolhe em que se especializar, e para isso busca profissionais dedicados à sua área de interesse. Na escolas primárias e secundárias isso não ocorre: o jovem é obrigado a passar por coisas que talvez ele não queira ou não esteja pronto para ver, sem o seu consentimento. 
  • Necessidade de aprendizado: isso parte da criança e deve ser sempre ditado por ela, não pela escola ou qualquer outra instituição. 
  • Medo da TV como educadora: no email do YYYYY e, mais implicitamente, em outros eu vi esse receio de que, se deixar os filhos longe da escola, a TV e a mídia influenciarão negativamente na sua educação e nos seus valores. Há duas coisas a encarar com seriedade aqui: 1. mesmo não vendo TV, só pelo fato de frequentar uma escola seus filhos estarão em contato diário e exaustivo com as coisas negativas da TV, dos seus programas e dos seus comerciais, uma vez que os seus colegas de turma podem estar inseridos num contexto familiar que você desaprova, e isso vai respingar em todas as criança do grupo, invariavelmente, como desejo descontrolado por consumo, violência (esportes de luta e programas de violência que os colegas de turma podem ver), preconceito, ódio, etc; 2. Vocês podem desligar a TV. Em casa a gente não assiste a NENHUM programa de TV há 3 anos. Absolutamente nenhum. É possível fazer isso, mas é uma questão de escolha dos pais...
Por fim, acho importante a gente discutir desescolarização lembrando que a criança é curiosa por natureza e ela gosta de aprender. O grande mal da escola é que ela força a criança a aprender de forma padronizada (a mesma matéria para todo mundo, ignorando as escolhas e os interesses pessoais) e no mesmo momento (pense no quão chato e frustrante é para uma criança ter que lidar com números, por exemplo, quando ela simplesmente não está pronta para isso ainda).

terça-feira, 31 de maio de 2011

respeito às crianças, e não só aos mais velhos

"respeitar aos mais velhos é respeitar a si mesmo", certo?
faz sentido, é nobre, é moralmente correto, não há o que se discutir quanto a isso.
mas... por que não ouvimos falar com tanta frequência e entusiasmo sobre o respeito às crianças?
eu nunca ouvi falar sobre isso, a não ser em livros sobre educação não-ortodoxos (sobre unschooling, por exemplo).

a nossa sociedade não trata a criança com o devido respeito.
não damos espaço, tempo, poder de escolha, direito de se aborrecer, de errar, de se descontrolar, de regredir, de arriscar. pelo contrário, nós tolhemos e exigimos que a criança cresça logo e seja mais responsável pelos seus atos.
desde cedo exigimos que o filho controle as suas emoções, que tenha hora certa para brincar, para comer, para ouvir música, para sair, para tomar banho; que não grite, que não corra, que não se arrisque, que não suje, que não reclame....

no fim, acabamos por praticar o que talvez seja a pior forma de desrespeito, que é lhes tirar a liberdade.
no geral, impomos uma educação meio "tolerância zero" afim de evitar dores de cabeça e jogar as responsabilidades da vida logo no colo das crianças.
e cobramos os resultados em curto prazo também, é claro: ir pra escola cedo, aprender a falar e a ler logo, desfraldar o quanto antes, avisar o que quer assim que aprende a falar, parar de fazer xixi na cama, etc etc etc.

considero isso um desrespeito grave, uma vez que a criança perde, aos poucos, a sua natureza curiosa, instigante, questionadora, criativa e com imenso potencial.
como não respeitamos o seu tempo e as suas escolhas, ela passa a repetir os padrões que a gente espera e entra logo no esquema do qual fazemos parte.
e nada disso é novo, pelo contrário.
isso não é um mal da nossa sociedade corrida e cheia de disputas sociais, pois em épocas medievais representavam as crianças em pinturas como se elas fossem "mini-adultos", já que era assim que olhavam para ela.
não se reconhecia (ou não se compreendia) a infância: a partir do momento que deixasse de depender exclusivamente da mãe, a criança já ingressava no universo adulto.
hoje, não temos essa visão  - ou falta de visão - tão deturpada sobre a infância e já reconhecemos a sua importância como etapa do desenvolvimento humano, no entanto, a cobrança social para que a criança se torne precocemente responsável não morreu.

apesar de termos evoluído em relação a escolhas pessoais, saindo dos grandes grupos (mass) e passando para os nichos (class), em alguns casos ainda somos maníacos por padrões e vivemos nos comparando com os demais e fazendo as mesmas escolhas. acredito que esse seja o problema na hora de educar um filho ou uma filha: não temos coragem de fazer diferente, de questionar, de mudar o rumo, de não querer fazer parte.
a consequência é o que eu já disse acima: tiramos a liberdade de escolha e o ritmo dos nossos filhos, pois exigimos que toda criança siga uma linha de desenvolvimento parecida, padronizada.


porém, quando damos espaço para a criança se expressar livremente e fazer suas escolhas (sem pressões), nos deparamos com exemplos maravilhosos do potencial infantil, como esse aqui:


respeitar o idoso é uma questão de moral.
respeitar a criança (e o seu ritmo) é respeitar o futuro, é respeitar o direito de mudança, de escolha, de quebrar paradigmas que nós impomos.
para mim, o respeito mais importante é o respeito à criança.

terça-feira, 24 de maio de 2011

a lei do mais forte nos torna fracos

educação se faz com amor, não com dor.
contudo, hoje é fácil vivenciar ou presenciar alguma experiência baseada na lei do mais forte, onde alguém simplesmente desiste de qualquer tipo de argumento ou de negociação e apela para a força, para a violência, seja ela física ou moral (mine is bigger than yours).

socialmente, o problema maior é em como esse exemplo de atitude violenta é passado para as crianças, que muitas vezes vem (e sofrem com) seus próprios pais sendo brutos e amedrontadores, se esquecendo da razão e do carinho para resolver impasses.
bater não resolve o problema
"não quer tomar banho? vai apanhar", "não vai parar de fazer bagunça? vai apanhar", "não vai fazer o que te pedi? vou gritar com você até fazer você chorar, então".

essa abordagem acarreta em consequencias sérias para a criança, para a família e para a sociedade, direta e indiretamente.
acredito que a lei do mais forte, no geral, seja a responsável por boa parte da onda de violência que continua a assolar o país, as escolas, a vida em união, em comunidade. mas, veja bem, não estou dizendo que a criminalidade e a violência acontecem por conta única e exclusivamente da lei do mais forte, pois há variáveis bem mais sérias e complicadas envolvidas nesses temas; no entanto, acredito fortemente que os exemplos de uso de força e coerção aos quais submetemos diariamente as crianças só pioram o cenário.
a única mensagem clara que é passada com essa atitude é a de que vence o mais forte, de que usar a força física para conseguir o que se quer em detrimento da razão, da negociação, da conversa é algo válido e que podemos sempre abusar da nossa força contra alguém mais fraco.

vejo que muita gente, muitos pais e mães confundem educar com bater, educação com moral, aprendizado com obediência, respeito com disciplina e medo.
nada contra a disciplina, não pense isso. meu problema é com a rigidez na hora de educar, como se o ensino e o aprendizado seguissem um padrão lógico e sequêncial a ponto de você fazer uma linha de produção ou um esquema militar, rígido, firme, opressivo.
eu acredito na educação com amor, com tempo, com disposição, com conversa, com olho no olho ao invés da palmada, com pedidos sinceros no lugar dos gritos intimidantes.

afinal, independente da intenção que se tem com uma atitude violenta (seja ela física ou moral), o que fica é um exemplo grotesco e bárbaro de resolver os conflitos.
e, quanto mais continuarmos a pregar um esquema violento e opressivo de educação, mais teremos exemplos violentos e opressivos invadindo o nosso cotidiano.

educação e aprendizado são orgânicos, não mecânicos.
educação se faz com amor, não com dor.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

quando o benefício supera o risco

um ano e cinco meses. e ainda há tantos tombos pela frente...

o tito sempre foi muito agitado e isso o levou a "priorizar" a vontade em desenvolver mais e mais seu lado motor.
ao começar a engatinhar, ele já queria andar; ao começar a andar, ele já queria correr; ao começar a correr, as coisas complicaram bastante.

de repente descobrimos que ele subia em lugares perigosos para a sua idade e que depois não conseguia descer sozinho, mesmo que não tivesse alguém por perto.
ele simplesmente ia.
a nossa primeira reação foi se desesperar e correr para "salvá-lo".
a segunda e a terceira também.
e isso virou rotina pra gente, ficar de olho nele o tempo todo para que não aprontasse algo arriscado demais.

acontece que, com isso, estávamos deixando ele frustrado e irritado, e a consequência era ficarmos frustrados e irritados também, porque a todo momento ele quer subir em coisas, descer escadas, escalar o sofá, a cama, a estante, entrar no armário, em baixo do armário, em lugares onde ele não cabe, em lugares que não o suportariam...

a gente barrava ou ao menos freava o ritmo do seu desenvolvimento e aprendizado motor e cognitivo a favor da sua proteção física.
mas vimos num livro do john holt que, quando o benefício do aprendizado supera ou empata com o risco dela se machucar, vale a pena arriscar deixar a criança experimentar, avançar, descobrir ou tentar algo novo.

subindo sozinho uma escada por aí
bonito, mas e a coragem pra ver seu filho tão pequeno subir sozinho numa cadeira ou no sofá, correndo o risco de cair com a cara no chão? e pra convencer os familiares e os amigos que não somos malucos nem irresponsáveis e que isso na verdade está favorecendo o seu aprendizado, a sua confiança e a sua segurança na sua capacidade física?

obviamente, porém, há um limite entre o arriscado e o extremamente arriscado.
subir numa cadeira pode ser perigoso, mas dá pra encarar o risco.
subir na cadeira e depois na mesa de jantar já é elevar demais a aposta e, se algo der errado, o tombo literalmente é maior.
aos poucos a gente vai tentando fazê-lo entender esses limites e mostrando que outras coisas ao seu alcance ele pode fazer com toda confiança, pois passamos até a incentivá-lo.

nesse final de semana cansei de segurá-lo ao tentar descer ou subir uma escada feito trem desgovernado (ele segura na sua mão e joga o corpo todo pra frente, avançando os degraus ferozmente) e comecei a falar que não preciso mais ajudá-lo nisso, que ele consegue subir ou descer sozinho.

é claro que ele pode cair, mas acredito valer mais a pena ele ganhar mais confiança em si e saber que a gente vai encorajá-lo quando puder.


um ano e cinco meses. e ainda há tantos tombos pela frente...
mas em boa parte dos casos os benefícios superam (e muito) o risco.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

pingu


pingu tem 5 anos de idade e está numa fase de testar seus limites, brincar, por seus conhecimentos em xeque, ousar, ousar e ousar.
lembra o seu filho ou a sua filha? pois é, lembra o meu também, apesar dele ser bem mais novinho que o pingu.

vez ou outra assistimos com o tito pelo youtube e ele curte bastante (quando resolve se concentrar, obviamente).

o desenho é bem simples e tem sempre algumas lições de moral para as crianças pequenas, com gráficos simples e temas curtos (os episódios não são extensos).
uma das coisas que acho mais interessante é que a fala do desenho não é em nenhuma língua conhecida por nós; todos falam "penguinise".
claro, porque eles são pinguins...



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foto: arquivo pessoal