terça-feira, 22 de julho de 2014

O que aprendi com um divórcio a respeito da minha relação com meus filhos

Às vezes, a gente só dá valor a alguma coisa depois de perdê-la. Sim, eu estou de volta trazendo um enorme clichê aqui pra vocês. Explico: há mais ou menos um ano me divorciei e, obviamente, passei por um longo processo de estranhamento da nova rotina sem a convivência diária com quem andei lado a lado durante sete anos, mas, num nível infinitamente maior e mais intenso, sofri e chorei por não mais dormir e acordar ao lado dos meus filhos, não estar mais em contato tão próximo deles, não sentir seus cheiros e ouvir suas frases desconexas ao perambularem pela casa, não poder pegar no colo e por no sling para acalantar com tanta frequência quando se machucam... Eu ainda faço tudo isso, mas a falta da convivência intensa e diária é bem pesada.

Um dos saldos disso tudo foi: nunca chorei tanto.  Nunca havia sentido essa dor que eu nem tenho pretensão de conseguir descrever. E foi bom chorar tanto assim, transbordar, me entregar a um fluxo que meu corpo ou minha mente estavam negando há tanto tempo. Contudo, passados os meses iniciais e mais difíceis, quando só de dar "oi" e "tchau" ao Tito e a Maya eu já chorava de soluçar, veio uma dor diferente, uma nostalgia um tanto quanto indigesta e que me levou a uma tomada de decisão: ou eu encarava isso como aprendizado, respeitando o que meu corpo estava a me dizer; ou eu ignorava isso e responsabilizava o infortúnio do destino por estar longe das crianças, não assumindo a minha responsabilidade ao optar pela separação. Eu escolhi a primeira opção e foquei na dor que diariamente martelava dentro do peito: reconhecer que deixei preciosos momentos com meus filhos passar porque em alguns momentos da nossa jornada eu fui impaciente com eles, que nem sempre dava a devida atenção a nossa relação ou estava disposto a me conectar em níveis mais profundos com as crianças.

Lembrei das vezes em que gritei, chantageei, ignorei, ameacei, bufei, fiquei de saco cheio por ter que novamente acordar às cinco da manhã pra ficar com o bebê que não quer dormir. Há uma expressão em inglês que reflete melhor que em nossa língua, em minha opinião, o sentimento que me bateu nessa fase de introspecção: I was taking it from granted. E é realmente isso: a gente dá mesmo alguns vacilos por saber que a criança vai estar lá amanhã, e depois, e depois, mas, se não tomar cuidado, passa a achar tudo um saco e a querer terceirizar coisas para ter um pouco mais de tempo livre para si. Se dedicar às crianças com qualidade e viver nesse sistema capitalista opressor e competitivo é desgastante. Sei que muitas mães e pais passam por isso. É normal e até compreensível, dado o nosso histórico social de como se desenrolam as interações entre crianças e adultos em nossa vida moderna, cuja pedra secular é o "eu mando, você obedece".

No entanto, vale a ressalva de que nem tudo é estanque e absoluto, e mudanças podem ser feitas e são sempre bem-vindas. Nunca a interação com meus filhos foi na base da negligência, do dessabor, da falta de paciência, da voz de comando. Mas era, em boa parte do tempo, uma relação baseada no "apesar de". Apesar de ser um bom pai, eu às vezes gritava e era impaciente. Apesar de estar sempre fisicamente presente e brincando, nem sempre eu me deixava conectar real e profundamente com as crianças. Apesar de acordar cedo e acalantar todos os dias no sling, normalmente eu reclamava de ter o meu sono interrompido e até privado. Lhe soa familiar?

O término do meu casamento foi fundamental para que eu engolisse a seco essas verdades que eu mesmo escolhi me dizer. E, tão importante quanto, percebesse outra verdade fundamental: não existe perfeição na relação com as pessoas, talvez em especial com as crianças. Ou, que a perfeição passe pela simplicidade de ser o mais sincero possível consigo e com a criança, por mais que isso traga à tona algo que não gostaríamos de admitir ou vivenciar. Quando o processo é consciente e você assume a responsabilidade pelos teus atos e pela tua realidade, até os deslizes eventuais e os momentos confusos passam a ser mais leves.

Há de se respeitar o quão mágico é ter uma criança por perto e sair do piloto-automático para que essa leveza chegue. Para isso, acredito que seja melhor confiar numa conexão profunda com a criança e abandonar certas crenças e neuras. Abrir mão do orgulho e da neura pela disciplina quando o filho, imponente e impassível, continua a fazer algo que você não quer, por exemplo. É claro que há várias situações em que não é possível deixar a criança fazer o que bem entende, mas, antes de tomar uma decisão passional que normalmente tenderá para o tolhimento da criança, reflita seriamente sobre essas perguntas: você realmente precisa dizer tantos "nãos" a ela? A disciplina realmente precisa ser uma esquete militar em que o adulto constantemente tem que dar lições de moral e bons costumes à criança, caso contrário ela nunca vai se controlar ou respeitar o seu entorno? Disciplina é realmente mais importante que respeito? E o respeito, é conquistado apenas pela intimidação e pelo medo?

Acredite nisso: crianças não querem nos manipular. Se confiarmos na pureza delas e na franqueza de nossa relação, a tendência é que tudo se ajeite naturalmente, sem traumas para nenhum dos lados, e a convivência passe a ser mais prazerosa. Quando a gente quebra esses estigmas de que "criança precisa disso, criança precisa daquilo, e o adulto é quem tem de ensinar e prover", a gente sai do piloto-automático. Tira-se o cabresto e nossa visão fica mais sensível ao que a criança realmente quer dizer e transmitir, em suas diversas linguagens. Conversas francas, respeitosas e com olhos nos olhos são melhores e mais frutíferas que levar consigo sempre o peso de que é o adulto o responsável por tudo que a criança aprende e absorve. A criança é curiosa, espontânea, inteligente, ativa, intuitiva e absorve sozinha muito mais do que conseguimos reconhecer. Queremos o mérito pra gente, não confiamos na capacidade e na potência da criança.

Quando olhei para tudo isso que gritou dentro de mim, senti um profundo pesar por ter deixado escapar tantos momentos preciosos com o Tito e a Maya quando a gente morava junto. Na maior parte do tempo, a relação era super rica e prazerosa, leve, fluida. Mas eu sou o primeiro a reconhecer que já investi energia demais tentando impor coisas às crianças, e naturalmente me irritando com isso. Ou apenas de saco cheio por estar cansado e não poder voltar a deitar para dormir mais um pouco.

Dar esses passos foi essencial para que eu me entregasse ao momento, em qualquer situação que se apresente, quando estou com as crianças. A interação é muito mais calma e natural, as conversas são mais respeitosas e a gente passa a se entender muito melhor sem a necessidade de palavras. Precisamos voltar a desenvolver a nossa intuição, pois a criança é altamente perceptiva e sensível. Como exemplo, nos meses que se seguiram o divórcio, Tito, que hoje tem quase cinco anos, passou a se distanciar de mim e a ficar muito arredio com minhas tentativas de acalmá-lo quando ele se irritava com algo. Eu era a última opção para ele pedir colo e apoio. Num dia em que ele estava dormindo em casa eu o levei para tomar banho e ele, impaciente, começou a chorar, me empurrar, me chutar. Eu chorei, me agachei no chão e perguntei o que aconteceu entre a gente para que a nossa relação ficasse assim... "Eu fiz alguma coisa, filho? Lembra das inúmeras coisas que a gente já fez junto, das brincadeiras, das sonecas juntos, dos passeios, dos abraços e beijos que você sempre me dava? O papai fez alguma coisa, filho? Pode me falar porque eu quero corrigir, se fiz algo de errado". E a resposta dele foi cair num choro muito sentido e simplesmente dizer "Eu não sei... eu esqueci...". Nos abraçamos e eu pedi desculpas pelo que ele não lembra que eu fiz. Tomamos banho juntos, conversamos com respeito e atenção. No mesmo dia ele fez uma escolha que há muitas semanas não fazia: "hoje eu vou dormir com você".

O desfeche dessa noite certamente seria outro se eu continuasse achando um saco o fato de ter uma criança irritada e "fora do controle" ali, enquanto eu estou cansado depois de mais um dia de trabalho.

Fica mais fácil quando a gente respeita genuinamente a criança e se entrega à relação, sem neuras, sem pretensão de ensinar e controlar tudo. Prometo.


19 comentários:

  1. Muito legal chegar a esse nível de amadurecimento e conseguir/querer compartilhar. Parabéns!

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  2. Emocionante e extremamente útil para pais e mães com certeza.
    Muito maduro e altruísta da sua parte compartilhar sua experiência. Tenho certeza que pessoas como vc pode mudar o mundo. Espero chegar lá tambem.

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  3. Lindo!!
    Me emocionei!!!
    Que bom seria se todos os pais entendessem e agissem assim!...O mundo seria bem melhor!!
    Parabéns, Felipe!!
    Tudo de bom para vocês!!
    <3

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  4. Cara, me emocionei demais com o seu relato! E me identifiquei em quase todas as passagens do que você escreveu. Me levou a repensar muitas das minhas atitudes para com meus filhos e a maneiro como encaro os momentos que fico com eles. Sou lhe muito grato por ter-me aberto os olhos e me levado a repensar a minha relação com eles! Muito sucesso em sua caminhada!

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  5. Uau. É. ... É tudo isso e nos soa, a todos pais e mães, muito familiar. Belo texto. Bela experiencia, parabéns pela reflexão. Por se permitir. Pelo aprendizado.

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  6. Parabéns! Vc foi capaz de ser muito mais.....talvez, la no final, qdo no banho com o Tito, vc perguntou o q vc fez....ele pudesse dizer: não está junto conosco...mas ele compreendera um dia isso....as escolhas dos pais...pois eles terão as deles. Parabéns Felipe!

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  7. Que lindo e sincero desabafo parabéns! Que esta sua visão e percepção só venha a melhorar o seu relacionamento com a sua família! Abraço

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  8. Parabéns Felipe, ajuda muito um relato deste para a educação dos pais e filhos. Emocionante, corajoso, desvenciliando as dificuldades com sabedoria.

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  9. Fiquei imprecionada com a clareza q vc escreveu. Quero deixar aqui meu agradecimento por suas palavras,me despertaram para voltar a ser a mãe que eu era e havia se perdido no caminho .. com muito 'apesar de' e excesso de disciplina.Voltei ao eixo!Gratidão a vc. E Saúde aos seus pequenos.

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  10. Este comentário foi removido pelo autor.

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  11. Nossa!! Que texto incrível cara!!

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  12. lindo texto, muitos pais separados deveriam ler esta reflexão! parabens

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  13. Muito bom poder aprender com esse seu nível de amadurecimento e você ter compartilhados neste artigo com todos nós. Parabéns e Sucesso!

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